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Priscilla Melo/DP Foto |
ando pela Rua Frei Cassimiro, no bairro de Santo Amaro, a fachada discreta do Altar Cozinha Ancestral, com seu porto que lembra o de uma residncia comum, pode at ar despercebida. Ao entrar no restaurante, no entanto, sente-se logo a energia de um verdadeiro templo gastronmico, que evoca a aura sagrada de um terreiro de candombl. A guardi do espao dona Carmem Virginia, cozinheira de mo cheia e voz potente na defesa das tradies afro-brasileiras. Neste Dia Internacional da Mulher, o Viver refaz a sua trajetria de renascimento at se tornar empresria, influenciadora, apresentadora de TV e referncia nacional na cozinha.
A conversa com a chef, que hoje istra as unidades do Altar no Recife e em So Paulo, comeou em seu terreiro, em gua Fria.
“Meu objetivo nunca foi deixar para trs o lugar de onde sa. Foi esse povo que me fez ser quem eu sou. Ento, ao mesmo tempo que sou uma cria de periferia, posso dizer que ascendi dentro da periferia”, acentua.
Antes do encontro, quem recebeu a reportagem foram as crianas e adolescentes da comunidade, que frequentam o espao e participam de aes sociais promovidas por dona Carmem. Neta de merendeira de escola pblica, ela ava as manhs estudando e, durante a tarde, envolvia-se em atividades extraclasse.
“Minha av me ensinou a olhar para o outro e a entender que, apesar de sermos pobres, eu ainda tinha privilgios, como o de estudar”.
Ao invs de brinquedos, ela preferia mergulhar nas pginas de romances como Dom Casmurro. A literatura foi o primeiro ingrediente que Carmem usou para escrever sua prpria histria.
“At hoje, encaro a vida como um roteiro que se assemelha a livros, contos e novelas porque eu no acredito que a gente deva viver e enxergar a dor de forma nua e crua”, observa.
A culinria e a f fazem parte do cotidiano de dona Carmem desde os 7 anos, quando foi iniciada no candombl como Iyabass (ou Yabass), com a misso de preparar as refeies sagradas para as divindades. Mas, s aos 20, assumiu a funo de maneira mais efetiva. “A partir de ento, me considerei, de fato, parte do terreiro”, relembra.
Ela, que se autointitula a primeira mulher negra de candombl a cursar gastronomia em Pernambuco, tambm foi a primeira aluna a pedir para trocar o chapu de chef pelo turbante. “Sou uma mulher Yabass, mesmo dentro de outras cozinhas”, ressalta.
Com isso, Dona Carmem no apenas se tornou referncia em aliar sabores e memrias, mas tambm um nome requisitado para servir a gastronomia ancestral a personalidades como o presidente Lula e o astro hollywoodiano Will Smith. Tambm investe em cursos de empreendedorismo e teve agens como jurada de realities e apresentadora de Uma Senhora a, no GNT.
“Lembro da minha av dizendo que eu era uma menina enxerida, porque gostava de ouvir e observava tudo. Ento, se vejo que os outros podem, por que eu no posso? S porque moro em uma favela? S porque sou preta">